domingo, 20 de junho de 2010

Parte 102 - Na linha da frente

O amanhecer veio com pessoas frenéticas, arrumando seus uniformes, mulheres penteando seus cabelos para não guerrearem desarrumadas. Kibii se ocultou, mantendo sua roupa de guerra guardada, aparentando fragilidade. Giovanna gritou um "avante!" e todos corresponderam. A animação estava em cada fio de cabelo alvoroçado, a exasperação contida. Doceh quase chorava só de imaginar que iria se meter em confrontos ao lado de Ly, Rafitcha desejava boa sorte ao Erevan. A medida que o preto deixava de existir no céu e o azul coloria, mesmo contorcido de sombras graças ao feitiço lançado, as pessoas se agitavam para arrumar um apressado café da manhã aos guerreiros, as roupas se ajeitavam, os guerreiros se arrumavam, Zidaly ficava fora do caminho, querendo muito entrar na guerra, relembrando trajetos, planos, rotas e planos de fuga, além de relembrar o que todos os sinais significavam: avante, recue, fugir!

Umrae já estava com tudo preparado.
Bel gritava as ordens, porque a paz sempre vinha com guerra e guerras estrondosas e chamativas nunca são silenciosas.
A respiração vinha tensa, preocupada.
E o céu, azul, se cobria do seu triste véu enfeitiçado, véu cinzento e melancólico. Tatiih, Thá, Kitsune se ocupavam da comida, Johnny ajudava Umrae a enfileirar as armas, a organizar os venenos, Amai ficara responsável pelas crianças para mantê-las quietas e calmas, o que considerando a personalidade calada dos três irmãos Sekai, não era algo realmente difícil.

Zidaly não iria à guerra.
Não iria à guerra porque não queria, porque estava cansada de tanto trabalhar, porque a própria Bel - mesmo superando seus sentimentos de raiva - não a desejava, mesmo sendo competente. Era uma atitude burra, sabia, mas o que iria fazer? Iria lançar uma garota com quem não tinha intimidade, nem confiança? Todos os seus soldados eram seus companheiros, tinham vínculos afetivos, por mais que doesse. Sabia que o segredo de seu sucesso estava em formar amizade entre os guerreiros, em fazer com que eles se empenhassem, de coração, na luta para salvar a si mesmo e salvar os colegas. Zidaly era competente, mas não tinha o menor espírito de equipe e os outros haviam adquirido antipatia por ela. Como ir em frente numa batalha tendo essas relações no interior? Era como um câncer corroendo o corpo.

Verde.
Céu.
- Preparados? - Umrae passou pela fileira de soldados, armados até os dentes, o metal tilintando.
- Sim - disseram os soldados, em perfeito uníssono.
- Soldados, ergam os olhos e vejam - Bel apontou para um tímido contorno de palácio por entre as nuvens - é o mundo das fadas. Lembrem! Não viemos por bondade, viemos por Grillindor. Lembrem que Ophelia morta é Grillindor segura. Lembrem que vocês não vieram brincando de soldadinho e sim vieram para arriscar suas vidas. - doía quando Bel percebia que em toda guerra, isso teria que acontecer. Era fato. Era inevitável. - por favor, cuidem de si. São soldados jogando com suas vidas, mas elas são valiosas demais para serem desperdiçadas em atos insensatos.
- Comandante - Harumi chamou, com doçura insegura. Seus olhos furta-cor brilhavam à luz da manhãzinha - deixe-me perguntar... nós iremos na linha de frente. Como vamos cuidar dos civis que lutarão ao nosso lado?
- Umrae é a líder deles - declarou Bel - ao passo que sou a líder de vocês. Protejam-se. Unam-se. Acobertem-se. Nós vivemos um tempo com eles para formar laços e treinar o quanto pudermos. Se tais laços estão fragéis, quebrarão aqui. Porém se foram bem recebidos, tais laços se fortalecerão. Tudo dependerá das últimas semanas que passamos aqui, Harumi. Tudo dependerá da nossa força em jogar nossas vidas para proteger outras pessoas.
- Porque Umrae guarda segredos sobre os próximos atos dela? - Ratta lembrou.
Bel não sabia responder. Ela mesma não sabia a resposta.
- Umrae sabe o que faz. Ela foi minha Líder no passado, ela me treinou durante algum tempo e foi a mais sábia comandante que pude ter na vida. Ela não guardaria segredo se não fosse algo necessário. Ela fará o que está planejando e ninguém a atrapalhará... e provavelmente será algo definitivo...
- Você também não sabe - Pauline quase riu ao ver que havia uma pergunta que Bel sentia dúvidas ao responder.
- Não interessa. Não devemos ser como os fanáticos, mas podemos confiar em Umrae. Nós, soldados de Grillindor, cumpriremos a missão que nos foi confiada. E qual foi ela?
- Destruir Ophelia? - Polly ergueu a mão.
- Exatamente. Não vamos ter dúvidas em relação a isso. Nossa missão é destruir Ophelia. O resgate será feito pelas forças de Campinas. Nós acabaremos com os demônios que são paus mandados de Ophelia. Vamos acabar com cada cabecinha de demônio. Cada fibra de carne será posta abaixo. E voltaremos com a cabeça de Ophelia!

Armados com armaduras.
Dragões bem alimentados.
Dez dragões.
Oito soldados.
E a bandeira de Grillindor se ondulando com o vento, imponente e esperançosa.

Cada segundo contava.
E Umrae precisava de cada segundo, cada pessoa, cada veneno, cada palavra. Ela precisava desesperadamente de tudo à sua volta e, mais do que tudo, queria a coragem. Quase rezou: deveria? Era assunto de humanos e nessa estranha terra com seres diferentes coexistindo na paz e na guerra, entidades sobrenaturais mantinham-se distantes. Sabia-se da existência, mas ninguém rezava, ninguém fazia cultos: era um estranho acordo de paz e não-interferência. Os seus deuses agiriam da mesma forma? Passara anos sem jamais incomodá-los e agora não sabia mais...

Ophelia estaria à sua espera? Estaria... com a sua arrogância habitual, gostaria de vê-la. Nem que fosse para dirigir qualquer sarcasmo 'oi sou melhor que você'. Embainhou sua cimitarra, ajeitou seus dardos, conferiu os frascos de veneno pela milésima vez. Precisaria estar com tudo: todo o destino de Campinas estava na sua mão. Tudo estava entre seus dedos e a hesitação crescente só lhe dava um frio no estômago.
Umrae viu Ly. Doceh. Fer. Bia. Até mesmo Johnny e Raven estavam ali, entre os que iriam lutar. Havia hesitado, inicialmente, em usá-los, mas eram fortes e capazes. Tinham aprendido com Heppaceneoh e estavam desejosos demais de fazerem algo, e não precisavam ficar dentro de casa. E os dragões estavam já à frente, caminhando para cercarem a cidade. Considerando que a cidade fica no norte do país das fadas, Gerogie cuidaria dos demônios vindo do sul. Erevan fiscalizaria as fronteiras do leste, e Keishara no oeste. Provavelmente não iriam ser perfeitos. Mas iriam vigiar e avisar e isso era suficiente. Por enquanto.
As calças.
A camisa branca. Sempre ali.
Prendeu o cabelo. Nada podia atrapalhar o grande ato.

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- Eu vejo movimentação - Lala disse ao olhar pela janela - algo vai acontecer.
Ophelia estalou os dedos, tranquilamente.
- Impressionante - diz admirando as próprias unhas - como você percebe isso agora.
Ficou mexendo nos cabelos castanhos, brincando com os dedos, olhando para o salão. Era manhãzinha e acordara mais cedo só para esperar. Logo os demônios viriam. Logo ela seria desafiada. E a ordem de tudo entraria em desequilíbrio.
Pensou nas pessoas mortas.
Nas pessoas que fugiram. Nas pessoas refugiadas em abrigos secretos, enterrados magicamente nessa terra e só se abririam quando tudo parasse.
Em todos.

Quem estaria com a razão? Estavam andando, agora, para acabar com ela. Seria a razão prevalecendo sobre o instinto.
- Lala, qual foi a vez que mais esteve perto da morte? - perguntou, sorriso estranhado nos lábios.
Lala teve que parar para pensar. Já passara por muitas situações ruins: caos, guerra, terror. Mas mesmo quando viajava pra terras estranhas em caos, ela nunca sentira o medo absurdo como no dia que ela conhecera Lala e se tornara sua escrava. Ophelia lhe causara um pavor totalmente impossível de se descrever e, naquele instante, ela havia apostado suas fichas na morte. Se saíra viva, foi por sorte.
- Foi com você - admitiu.
Ophelia sorriu.
- Assim que se fala - sussurrou - veja, minha querida Lala, veja Campinas. Mal podemos enxergar os nossos oponentes, mas podemos sentir a ansiedade. A energia é como comida para os que virão. Desse jeito é tão fácil... como mariposas vindo para a luz. Queimaremos todos eles. Esmagaremos um por um. Sente-as?
- Quem? - Lala sentiu Ophelia conduzi-la para olhar para o oeste. Aonde havia a fábrica abandonada.
- Minhas queridas amigas - Ophelia quase riu - elas estão esperando. Só esperando. Se elas não se moveram... se Campinas agirá agora com seus bichinhos... eu devo deduzir que se uniram, não é? É como um jogo. Não pode entrar pra perder, jamais. Então quando você precisa de atitudes drásticas, você faz o que nunca costuma fazer. Como se unir com aliados duvidosos.
- As pessoas de Campinas não são aliados duvidosos - declarou Lala - elas são confiáveis e possuem integridade. Ophelia... por mais que você seja poderosa, não pode duvidar da honestidade deles! Eles são poderosos, são fortes. Mesmo que o poder não se compare ao seu - encarou profundamente os castanhos olhos de Ophelia - mesmo assim, eles possuem uma integridade impossível de ser ferida-
- Chega! Chega dessas tolices! Integridade? Honestidade? Confiança? - Ophelia abraçou a amiga por trás, quase como uma mãe carinhosa - minha querida... de nada vale as suas convicções em uma guerra, quando você perde o que te faz humana... a sanidade é impossível para aqueles que fazem mais do que existir.
- Mas, Ophelia...
- Cale-se. Vá lá e veja como está a loirinha... eles virão resgatá-la e ela não pode saber disso.
Lala ficou em silêncio.

Sentia a derrota.
Droga...
Raveneh estava quase sorrindo, isolada e machucada, em seu canto. Até ela sentia a derrubada da tirania.


Ela esperava deitada no chão.
- Oláá - a voz saía muito diferente da habitual.
Não era a Raveneh que conhecia.
- Você é a traidora - Raveneh riu, seus olhos sussurrando maldade e certeza - não é? Você não é aquela loira...
- Não importa - Lala sussurrou - você já ultrapassou a sua sanidade.
Raveneh riu mais ainda.
Sua gargalhada ecoou pelo quarto.
- Aquela estúpida me sequestra, me tortura, me deixa horas a fio sem me dar comida... e me pede para ser sã? O que estão pensando? Lembro-me de você... já te vi andando pelas Campinas por alguns dias... mas não lembro... porque não lembro? Claro que não... isso é coisa de Raveneh... nem todas as suas memórias são minhas...
Ela é comparsa de Ophelia. Tome cuidado.
- Que voz doce ela tem, não é? - Catherine ergueu os olhos para Lala - eu gostaria de banho. Aquela loira me trouxe comida. Mas não me trouxe água pra me banhar...
- Cale-se.
Lala se ajoelhou, ficando na mesma altura dos olhos de Raveneh. Ou da mulher que dominava seu corpo, seja qual fosse. Aquela garota era perigosa, sentia isso. Ela havia tentado fugir e se perdera nas armadilhas de Ophelia. E a rainha esperava que Umrae e seus companheiros buscassem Raveneh nesses mesmos caminhos. Porém... e se Raveneh tentasse fugir de outra maneira? E se conseguisse avisar os outros das armadilhas? E se sacrificasse para que ninguém a buscasse e caísse nas mãos de Ophelia? Como funcionava toda a proteção, como funcionava os laços entre os moradores de Campinas e, principalmente, como funcionava a cabeça de Raveneh? Era como duas mulheres? Duas vozes, duas histórias? Ou era uma mulher com duas mentes? Ou era tudo a mesma coisa?
Pegou a corrente de ferro que trazia.

Não fora até ali para pensar.
Ela fora até ali para arrancar informações, se é que isso era possível.
- Raveneh... - Lala mostrou a corrente - me dê suas mãos.
Catherine entregou as mãos.
Pulsos finos que foram acorrentados. E Catherine já não conseguia mais sentir dor. Esvaziava-se completamente quando as correntes apertavam demais seu corpo nos pulsos, tornozelos, pescoço e cintura. Não implorava mais por sua vida quando Lala fez questão de chamuscar seus pés, gritar ordens para ela contar as falhas de Campinas, puxar as correntes que a prendiam. Era inútil. Era tarde demais. Os soldados de Campinas estavam a caminho, o sol subia e logo mais sangue seria derramado. Por que Ophelia insistia em querer mais dor e sofrimento? Por sadismo?
Era arrasador demais.

- Não contarei - a voz doce de Raveneh resistia - mate a nós duas... mate a mim, mate à ela... mas não contaremos. Não diremos nada... porque o desespero? Estão vindo me buscar? Tolos... deveriam me esquecer. Eu só faço eles terem problemas - e chorou com o pensamento.
Lala saiu, fechando a porta atrás de si, deixando Raveneh e Catherine sozinhas com a dor de imaginar que, por conta delas, alguém perderia a liberdade.

Raveneh se encostou na parede.
Como conseguiria pensar em fugir se estava tão ferida? Kibii demorou semanas pra conseguir andar e lutar com metade de sua capacidade... se bem que ela tinha sido torturada diariamente, por muito tempo e com técnicas piores... mesmo assim. Catherine lhe dizia, no fundo, que a regeneração completa e rápida era possível. Ela só precisava de confiança, de poder, de conseguir almejar isso sinceramente.
A solidão da dor era um passo a ser conquistado.

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- Estão vindo - disse Miih ao ver o pequeno grupo reunido.
- Devemos esperá-los na entrada da cidade? Onde outrora havia aquela praça...?
- Sim.
As cinco Musas estavam ali.
À espera.
Não tinham mais intenção de se esconderem de Ophelia. Sabiam que com o poder de Ophelia, elas já tinham sido descobertas há muito tempo. Já tinham visto Keishara no ar, com seus cabelos azulados, e conseguiam sentir o pequeno tremor vindo dos novos soldados do lado de Ophelia. Na linha de fogo, muitas vidas se perderiam. Os dragões mestiços de Bel avançavam pelo ar calmamente, sem estardalhaço. Levavam o exército de Umrae junto, como uma suave carona.
- O que deseja, Catherine? - Loveh perguntou.
O poder místico da Musa das Águas se agitava, esperançoso para ser libertado em uma única dose.
- Eu desejo a cabeça de Ophelia entre meus dedos - declarou a Musa - mas deixo os festejos da vitória com vocês.
- Não deveria ter feito isso - Sunny parecia que ia chorar - e novamente seremos mutiladas como quando Olga partiu... pensavámos que éramos poderosas, as rainhas de tudo, mas... ela se foi... simplesmente se foi...
- A morte é impossível de se evitar - Miih disse, com doçura - mesmo as que vivem muito tempo conhecerão a morte. Ou os efeitos de evitá-la... não somos imortais. E essa era não é mais a nossa. É a era das fadas menores, das fadas ordinárias, organizadas, uma sociedade estruturada com regras, leis e previsões. A magia é simplesmente uma parte, não a essência... e nós somos a essência desse mundo que se foi.

Ficaram em silêncio.

De fato.

- Me pergunto como eles irão atacar... - disse Louise - somos bons aliados, mas desconhecemos os ataques que irão ser feitos.
Sunny mexeu nos cabelos claros, claramente aflita.
- Isso não é problema. Não somos exatamente aliadas, estamos agindo em prol da mesma causa. Mas não fazemos parte do mesmo esquadrão ou algo assim... e isso me faz acreditar que Campinas viveu tempos demais de paz para ter tamanho despreparo. - Sunny cruzou os braços - são talentosos e competentes, mas sabem pouco de guerras... mesmo tendo acontecido uma há dois anos, que envolveu mais pessoas na linha de frente.
- Sim, o exército dessa guerra é inferior, em números, àquele - Loveh concordou - mas eu acho isso inteligente. Umrae prefere a qualidade, sendo uma combatente veterana. Embora seja pequeno, acredito que tem o poder de prejudicar Ophelia para que ela se sinta bastante incomodada...
- Não é o poder que assusta Ophelia - Catherine estreitou os olhos para visualizar a imensidão verde. Pontinhos se moviam. Estavam próximos - é a liberdade. Ah, olá, olá.

Estavam chamando atenção.
Cinco Musas.
Dez dragões.
O exército de Grillindor - desfalcado - estava ali.
Umrae com seus companheiros chamava a atenção pelos cabelos revoltos, olhos dourados e pele escura. E, principalmente, pelo olhar de quem seria capaz de arrancar a cabeça de quem se metesse no seu caminho com os dentes com a mesma elegância de um cisne.

E Ophelia só aguardava o chamado.
Sentia cada um deles, sorria ao imaginar destruindo cada peça com delicadeza e crueldade e movia seus dedos pelas cortinas, caminhando até o salão. Estava a espera.
De todos. E Lala estava ao seu lado. Mesmo que internamente ela estivesse se destruindo de dúvidas, o seu exterior brilhava de certeza e honra. Era traidora uma vez. Não trairia pela segunda vez, assim pensava Ophelia. O que ela desconhecia era que Lala não a trairia jamais, mas isso não significasse que ela não desejasse sua derrota.

- Finalmente - Catherine disse - temos que nos organizar.
- Claro - Umrae sussurrou - como pretende operar?
- Atrair Ophelia até a fábrica abandonada - Miih disse - não podemos lutar como humanas vulgares, então precisamos de um lugar como aquele. Os demônios estão vindo pelo sul, principalmente. São bem fortes... irão dar conta?
- Sim - Bel respondeu prontamente - são forças antigas se confrontando, acredito que iremos dar conta.
Loveh piscou os olhos, parecendo confusa.
- Essa proteção de Campinas não vai funcionar - sussurrou Loveh - ela é contra inimigos...
- Sabemos... nosso território é vulnerável. Mas o abrigo é suficiente contra eles - Ly disse - eles ficarão bem.
- Não acho bom confiar... a terra se revolta e ela é mais poderosa do que qualquer proteção que impuserem - Alice ponderou - seria bom se alguém pudesse cobri-la, protegendo-a melhor. Sunny? Você não gosta tanto de lutar...
Sunny ergueu os olhos, parecendo magoada. Estariam a pondo de lado?
Não...
Quando encarou os olhos de Alice, percebeu a verdade. Não estavam a pondo de lado - estavam precisando dela.
- Está bem - Sunny sorriu - eu darei o melhor de mim para proteger as pessoas.
- É bom ouvir isso de você - Louise disse, em tom gentil.

E Sunny foi.
Ela realmente deveria ter aceitado se distanciar de suas companheiras? Isso realmente fazia sentido?
Isso daria certo?



releve os carrinhos.
e, ok, vamos relevar o jejum de histórias por quase três meses.

domingo, 4 de abril de 2010

Parte 101 - Decorando o campo de guerra

Há encanto na noite.
Felizmente Ophelia não a visitara mais, quem viera lhe trazer comida foi uma moça de cabelos muito claros e ar bondoso. Parecia não estar do lado de Ophelia, como fosse uma escrava. Perguntara seu nome, mas a garota nada disse. Aparentemente estava com medo. Sofrera algo? Ela tinha cara de menina rebelde, e a voz de Catherine urgia de dentro, gritando que aquela escrava era a sua resposta, sua fuga, sua saída.

- Ei - insistiu - diga-me seu nome.
Alicia a encarou, sentindo um misto de pena e raiva. Essa moça loira parecia tão boa e delicada, cheia de encantos... como Ophelia era má, a utilizando de isca, de vítima para toda sua maldade!
- Diga-me qualquer nome que eu possa te chamar - Raveneh pediu. Sua voz saia estranhamente cruel para os ouvidos de Alicia, e isso não era bom sinal. Catherine tomava muito cuidado para se manter fria, sem pular em cima de Alicia e ameaçá-la. Lembrava que certamente, sob tensão, Alicia não saberia guia-la pelo castelo e que ela era mais uma aliada do que inimiga, então Ophelia a mantinha sob redéa curta. Ou não.
- Eu não tenho nome - Alicia suspirou. Não queria dar seu nome, não queria se envolver com aquela estranha loira. E se Ophelia desconfiasse? Por quanto tempo mais ela ficaria viva naquele castelo?
- Claro que tem - a loira desdenhava, a voz estranhamente rouca e sensual - vamos lá, eu aposto.
- Me chame de qualquer coisa - Alicia disse.
Não sabia muito bem.
Mas entendia que aquela doce moça loira era muito mais do que só açúcar e candura.
- Você conhece todo esse castelo? Vive aqui há quanto tempo? Você é o quê?
Alicia ofegou. Já passara do tempo de voltar para servir Ophelia.
- Por favor, não me mate, nem me sequestre - Alicia sorriu debilmente - eu sou a antiga serva da Rainha Siih...
- Então é do nosso lado - Catherine estava de enlouquecer.
Estava sã, e era isso que assustava: ela não tinha um pingo de loucura dentro de seu corpo, sua mente, sua alma. Estava completamente sã, agindo de forma pensada e calculada, raciocinando calmamente, imaginando cada detalhe.
Alicia quase chorava, praticamente implorando para não morrer.

Raveneh não queria matar. Ela só queria furar a segurança de Ophelia.
Catherine podia ter matado antes. Mas percebia a inocência de Alicia, e todo seu desespero e esperança de não ser envolvida naquilo, sua cumplicidade silenciosa e forçada. Não podia culpá-la por estar ali.
- Diga-me, como burla isso?
Alicia saiu de perto, trazendo a bandeja.
- Não sei, não sei - gritou, esganiçada - ela disse que mataria quem soubesse... eu não sei.
- Meus amigos te protegem - era a voz de Raveneh, mas a cabeça de Catherine - conte e eu irei te proteger.
A escrava sentiu vontade de rir.
- Tola - disse - ninguém se protege de Ophelia.
E saiu correndo.

Um fracasso.
Não.
Não era um fracasso. Era só o começo, talvez o começo do fim.

Catherine, então, fez Raveneh pegar no sono.

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A noite começara a brilhar. Sombria e nefasta depois do feitiço de Ophelia, cobria Campinas como um delicado véu cheio de morte. Rafitcha estava bem melhor, já andando pela cozinha e ajudando a preparar o jantar. Erevan estava vigiando os arredores, sendo parte do seu turno, e junto na arrumação, Kitsune, Amai e Tatiih ajudavam. Mal conversavam, desejando só um pouco menos de tensão. May dormia depois de ter bebido leite com sonífero. Todo o pouco leite em reserva ia para as crianças, mais necessitadas de comida boa.
- Você acha que vão vencer? - Amai perguntou.
Era a mais nova e a que mais queria falar: ela não aguentava os longos silêncios.
- Não sei, querida - Kitsune respondeu - eu realmente não sei.
- Mas quanto tempo eles ficarão fora? - Amai indagou novamente, sua respiração chorosa.
Rafitcha voltava ao seu mau humor habitual.
- Amai, eles vão ficar o tempo que é pra ficar - disse quase rudemente - eles vão lá, acabar com essa maldita, eles vão voltar e vamos cuidar do que sobrar, entendeu?
- Eles vão voltar mutilados - Amai quase choramingava, sua voz falhando de pavor.
A imagem que se passou na sua cabeça foram todos os soldados voltando sem braço ou sem perna, soltando tripas e sangue. Nada agradável.
- Olha aqui, Amai - Rafitcha chegou a sentar para ficar na mesma altura dos olhos - numa guerra não há só vitórias. Há perdas de ambos os lados. E nós podemos perder, e não admitir isso é estupidez. Mas eu acredito que dessa vez a gente vence, porque eu confio na habilidade de Umrae. Eu convivo com ela faz bastante tempo, e quando você convive muito tempo com uma pessoa, você a entende - respirou fundo - e eu vejo os olhos dela, e a entendo: ela tem um trunfo. E ela vai usar isso e nós vamos vencer. Entendeu?
- Sim, mas
- Mas a vitória tem um preço. Um preço bem alto que a gente vai pagar - interrompeu Amai com sua voz cortante como punhal - então, minha doce Amai, essa é a prova que você vai ter que superar para seu crescimento. Você vai ter que aguentar o preço que a vitória pede, entende?
- Entendo - as lágrimas desciam pelo rosto da garota, sua respiração falhando terrivelmente.
- Ótimo - Rafitcha quase sorriu de tristeza.
Queria muito abraçar aquela pequena garota, mas ela não conseguia nem consolar a si mesma.


A respiração estava bem medida.
Kibii arrumou suas coisas. Estava quase boa. Mas os pontos podiam abrir a qualquer momento. Mas iria dar tudo certo, iria absolutamente ficar tudo bem. Ela iria guerrear, traria de volta mil cabeças de demônio e, ao menos, um dedo de Ophelia. Voltaria como guerreira-rainha. E mesmo que não voltasse assim, ela voltaria bem. Mas iria de qualquer jeito, iria satisfazer sua sede de sangue.
Seu anel de prata caiu, tilintando pelo chão duro, de pedra.
- Droga - sussurrou. E se pôs a procurar pelo chão, achando-o rapidamente. Era um anel antigo, que usava desde que era criança. Sempre coubera em seu dedo anular, mesmo que tivesse crescido e tudo o mais. Era como um molde perfeito aos seus dedos.
Mas ele era como algumas de suas jóias e flechas especiais: lembranças de tempos vagos. Sabia que tinha vivido muito bem para uma criança, que vivera, inclusive, em uma espécie de castelo. Mas não conseguia lembrar muita coisa, era tão criança e sua vida era demasiada longa para lembrar dos seus primeiros anos, ainda mais quando eles terminavam com tragédia. Desde que chegara ali, Umrae sempre lhe dissera para, um dia, voltar e descobrir.
Era irresponsabilidade não assumir o seu destino.
Ainda que fosse seu destino voltar e descobrir o seu verdadeiro poder, ainda que as pessoas aguardassem seu regresso, ela não queria. Era egoísta, de certo modo, e não queria voltar para onde vivia quando era criança.
Só de pensar doía.

E haveria um passado em cada sussurro.
Um sussurro em cada lembrança.
E algo de desesperador... em cada sonho que ela tinha. Não queria realmente reunir a sua coletânia de sorrisos e fatos antigos.

- Kibii - era Amai.
Ela tinha saído da cozinha, e recebera o encargo de distribuir as roupas limpas conforme seus donos.
- Suas roupas - Amai disse, entregando uma sacola murcha. Kibii não tinha muitas roupas.
- Obrigada - Kibii recolheu a sacola, sussurrando qualquer coisa como que iria sujá-las no dia seguinte. Amai deu um débil sorriso ao ouvir atentamente, se perguntando se Kibii sairia pra guerra ou não. Umrae tinha dito que não, certo?
- Você também vai partir? - Amai perguntou, ao que Kibii ergueu os olhos, tentando imaginar a melhor maneira de responder.
Se ela respondesse "sim", seu plano poderia falhar?
E se respondesse com a mentira, o que aconteceria?
Optou pela mentira. Já basta Umrae se pondo no caminho para lhe proteger, não precisava daquela garota tola lhe interrogando sobre os seus projetos.
- Não, não vou - Kibii sentiu a raiva ao lembrar de Umrae tão sábia argumentando sobre o porquê de ela não poder ir à guerra - vou ficar aqui, feito uma velha.
- Vai ficar comigo - Amai sorriu - e com minha tia. Com Rafitcha. Tatiih, Thá, Nath... elas são legais.
- Claro - Kibii deu um sorriso confortador como que tentasse acalmar a garota - vou ficar com pessoas legais.
Amai concordou e saiu do pequeno quarto, deixando a elfa a refletir sobre seus problemas.

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O primeiro dos demônios chegou quando a lua deu mais um passo para o começo da aurora.
Vinha na forma de uma serpente, deslizando pelas ruas da cidade destruída, sua língua sibilando maldades a céu aberto. Alcançou o palácio, e se denominou Rainha dos Monstros. Apesar de se dizer feminina, a criatura não tinha sexo. Sua voz era de homem, sua mentalidade assexuada, totalmente sem gênero.
Ophelia a recebeu em seu salão, posicionada no trono com sua habitual arrogância, admirando a bela serpente que parou, calada, no chão sujo de poeira e sangue. E logo a serpente se endireitava, como que encantada por uma música invísivel, movendo-se. Sua voz era voz de humanos, sua face de cobra.
- Olá. Rainha dos Monstros.
- Olá. Rainha das Musas.
O sibilar era inconstante. Lala estava ao lado de Ophelia, quase sentindo repulsa e admiração pela figura extraordinária e malévola. Escutava os passos de Alicia, que andava pelos corredores e, de repente, parou. Atrás da porta, para espionar a visita.
- Virão quando o céu se tornar dois tons mais claros do que esse negrume - sussurrou a serpente - daremos a nossa força e poder. Rainha das Musas, quando pagará a nós o tributo dos nossos esforços? Afinal vidas cairão.
- O tributo é a honra - Ophelia sorriu - se vencermos, essa terra será nossa. Serão os reis que eram antes das fadas - hesitou, com cuidado - e poderão seguir em frente, não tendo mais os humanos armados.
- É uma rainha tola - disse a Rainha dos Monstros - não há motivos para criaturas das trevas seguirem, à luz do dia, uma frágil criatura como a sua pessoa.
- Frágil?
Ophelia quase riu. A idéia de alguém a chamá-la de frágil era inconcebível... era a mais forte criatura, de um poder nunca visto. Poderia romper com essa serpente em um piscar de olhos, e mesmo assim ainda era frágil.
- Esses olhos da Rainha dos Monstros enxergam o que a arrogância não enxerga - a serpente deslizou mais adiante, aproximando-se das pernas de Ophelia - enxerga a crueldade, enxerga o passar do tempo. Essa voz foi emprestada de um espírito, e esse poder foi dado de uma bruxa. Essa Rainha enxerga o que a outra Rainha não enxerga, Ophelia.
- Então a vitória não vai ser minha?
- Se a Rainha das Musas não contiver sua loucura e crueldade, falhará como recém-nascido ao andar. Os monstros a ajudarão, coroando-a como a Outra Rainha dos Monstros. Porém tirarão sua coroa no segundo que perceberem a sua falta de coerência.
Suspiraram por um segundo. Ophelia não disse nada.

A Rainha dos Monstros dissera que se ela não parasse com todos seus ataques de ira e loucura, o mundo entraria em caos e ela iria perder. Iria perder para Umrae, aquela elfa sujeitinha de mentalidade tão espertinha... não iria admitir perder pra inferiores. Para humanos, fadas, elfos.
- Ophelia, ouça o que ela diz... - Lala sussurrou - vá com mais calma.
- Vai ficar tudo bem, Lala - Ophelia estava com raiva.
Mas também estava em paz.

Ela iria ouvir a Rainha dos Monstros.
Mas ouvir não quer dizer considerar. E ela iria escutar, iria mandar os monstros se destruirem contra os dragões e soldados e depois... depois iria vencer. Sua certeza era tão natural que mal passava na sua cabeça que as pessoas poderiam surpreendê-la.


Tal blog está em reforma no momento. Estou arrumando tudo, e esse banner vai mudar (quero colocar essa imagem, mas a burra aqui acabou salvando no Photoscape, esquecendo que se salva no PS, perde-se a transparência conquistada ¬¬). Quero também arrumar a história toda em primeira e segunda temporada, arrumar a galeria (pra pôr todas as imagens relacionandas, como os desenhos de Umrae e de Polly). Enfim, dar um jeito nessa bagaça e na história também. Perdão pela demora, é que estava naquele típico estado de não conseguir avançar com nenhum personagem, mas agora depois da Rainha dos Monstros, a luz divina -q invadiu meu cérebro e tenho um norte agora. Incluindo as idéias que Umrae me deu, e etc.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Parte 100 - Trilhando a fuga.

- Eu queria saber o que fazer - Rafitcha sussurrou, percebendo que o pé estava melhorando e ela poderia andar pelo abrigo todo, mancando um pouco. Erevan sorriu, remexendo entre os cabelos de Rafitcha. Ele não via sentido na guerra, mas compreendendo a defesa de Campinas e pouco interessado em ajudar, decidia simplesmente ficar na dele. Bel o tinha trazido com ela para colaborar com ela, e ele colaboraria. Porém Bel não pediu sua ajuda e ele não via no que poderia ajudar, a não ser nas lutas.
- Só se recupere - sussurrou Erevan - e fique ok para ajudar suas amigas.
- Você está ficando ao meu lado por quê? - Rafitcha se virou, incomodando a dor repentina no pé quando se moveu.
- Porque você é uma garota legal, mesmo com todo seu mau humor - Erevan respondeu com um sorriso - não posso? Além do mais já cumpri meu turno.
- Tem certeza? - Rafitcha riu - diga-me, você acha legal ser dragão?
Erevan olhou para Rafitcha pensando se era realmente legal.
Quer dizer, ser mais poderoso e antigo, sim, era legal. Mas nunca pensara nisso a sério.
Nunca mesmo.
- É - Erevan respondeu - e como é ser uma humana? Sem magia?
- Um saco - Rafitcha sussurrou - o meu consolo é de que não me envolvo muito nessas malditas guerras, mas não adianta... todas as espécies brigam.
- A briga é algo natural... e paz é um estado inconstante. Ela existe quando ninguém está interessado em brigar e é bem entediante viver assim, sem algo pelo que brigar, convenhamos... mas, Rafitcha, não precisa se preocupar com isso. Já está sofrendo demais por conta de seus pais, de seu pé, das pessoas que ama...
- Como posso evitar me preocupar? Aposto que meus pais ou estão morrendo ou estão mortos - Rafitcha esfregou os olhos, evitando o choro - e Johnny... ele enlouquece se perder a Raveneh. E Raveneh... presa, aprisionada nas mãos de Ophelia... céus, eu a ajudei, eu a vi de tantos jeitos... vai ser tão doloroso se Ophelia a matar...
- Não vai matá-la - Erevan ponderou - Ophelia quer Umrae, e não Raveneh. Se matá-la, que trunfo terá? Só a nossa raiva!
Rafitcha deu de ombros.
Não tinha pensado por esse ângulo, mas era verdade, não era mesmo? Raveneh não podia ser morta, não enquanto Ophelia não conseguisse seus objetivos... Umrae. Mas como conciliar dois desejos impossíveis?


Zidaly estava trabalhando, pondo para secar as roupas limpas.
Bel não a perturbava mais, tendo até esquecido de sua raiva, de tão preocupada que estava com o decorrer da guerra. Isso a deixava aliviada, mas também insegura para fazer qualquer movimento de vingança. Se um não queria, dois não brigavam, dizia o ditado e Bel não desejava mais brigar. Zidaly pedira por paz também, não foi? Sua raiva só se estendia ao Crazy, e ela não se esvaneceria com a guerra, como nunca tinha sumido entre os vários combates desde que Crazy terminara tudo com ela.
A dor de uma mulher rejeitada nunca passa.
Roupa de baixo, quase seca.
Calças azuis, marrons, cintos enormes e pesados. Suas mãos se cansavam da tarefa, seu ânimo diminuía mais e mais.
- Olá.
Ergue os olhos, já pensando em xingar se fosse algum dos guerreiros de Grillindor.
- Harumi - Zidaly controlou a língua, pensando que poderia ser pior caso xingasse.
- Deixe-me te ajudar - Harumi sorriu.
Seus olhos furta-cor cintilaram de confiança e sinceridade, o que fez com que Zidaly concordasse com um aceno, sem pronunciar algo parecido com sarcasmo. Aquela menina não era um anjo como parecia, mas decerto era a mais decente das criaturas que Bel trouxera. Harumi ficou ao seu lado, estendendo as roupas no varal em silêncio. Seu sorriso não mudava muito, mas emitia vivacidade.
- Continua com raiva?
Zidaly não sabia muito bem como responder à pergunta.
Continuava com raiva?
Ou simplesmente...?
- Não sei - foi sua resposta, e logo se arrependeu pela sinceridade.
- Raiva passa. Ódio... nunca - Harumi ajeitou um vestido azulado.
As duas ficaram olhando as roupas penduradas, e estendendo as camisas brancas novamente, as capas escuras, as botas que estavam praticamente secas. Tudo tinha que estar nos conformes até o amanhecer, com todo mundo preparado para a guerra.

- Você está com medo da guerra? - Zidaly perguntou, fazendo com que Harumi pensasse antes de falar.
Sua hesitação tinha nuances de tristeza.
- Sim. Ophelia é poderosa, e mesmo com essas Musas, eu ainda não acredito que vamos ilesos... alguém vai perecer.
- Que tristeza - Zidaly sussurrou.
Espero que Crazy não seja um dos mortos...
... eu não aguentaria, mesmo com todo meu ódio...
Ficaram caladas até terminar o serviço.

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Raveneh acordou sobressaltada. Tivera um de seus pesadelos, mas felizmente ninguém tinha entrado no aposento.
Fique calma.
Concentrou-se em escutar.
Só isso.
Escutar.

Um passo. Dois passos.
Muitos passos fracos, arrastados, ligeiros, nervosos de pessoas que trafegavam pelo castelo. Criaturas que tinham medo de Ophelia, sabia disso. Sabia disso como sabia que May estava bem. Simplesmente sentia.
Catherine iria lhe ajudar.
- Está bem agora? - não sabia se a voz era dela ou de Catherine. Mas a pergunta servia para ambas, e ambas confirmaram. Sua mente estava anestesiada, seu corpo amolecido estava confortável, as dores que sumiam. Surgiam, de repente, e acometiam Raveneh com sofrimento, mas eram tão rápidas e tão mais fracas do que toda aquela angústia que Raveneh já sentira tantas e tantas vezes...
Ficou em pé, encostada à parede, tentando raciocinar. Os passos alcançavam seus ouvidos, mas ouvi-los adiantaria o quê agora?
E então;
um suspiro.
- Bom dia, Raveneh - a voz de Ophelia era elegante e sensual, mas lhe dava calafrios. Só de lembrar de toda aquela dor alucinante, temeu perder o controle. Ofegou, tentando ficar do extremo lado oposto, visualizando o vulto da rainha entre as sombras. Atrás dela a porta aberta. Se fosse rápida, se fosse realmente rápida... poderia ultrapassar, poderia fugir... não poderia?
Não seja precipitada.
- Não adianta - Ophelia sorriu daquela forma tão malvada - não adianta, minha doce camponesa.
Fuja agora.
- Por que não consigo entender você? - Ophelia franziu o cenho de repente, como se ficasse intrigada com alguma coisa? Mas o que quer que seja, Raveneh não quis ficar. Preferiu tentar fugir diante dos olhos da sequestradora, seu corpo se movendo velozmente, impulsionada por Catherine. Ophelia não evitou, simplesmente a deixou ir. Escapar pela porta aberta.
- Posso não entendê-la - Ophelia disse, quase gritando para que Raveneh escutasse enquanto percorria os corredores do palácio - mas fugir de mim... é o mesmo que uma folha desejar nunca ter nascido de uma planta! Impossível!
E Raveneh entendeu.

Eufórica, aliviada e emocionada por simplesmente sair daquele maldito galpão, já entendendo que era dia, simplesmente parou. Não havia ninguém. De quem era aqueles passos que ela ouvira? Todos pareciam iguais, cruéis, escorregadios. Voltava, ia, não conseguia. A saída era impossível de se achar. Todas as janelas mostravam o céu e o sol, mas não conseguia nem se pendurar na sacada para olhar para baixo e saber a direção, simplesmente porque era como se um véu negro cobrisse todas as direções, além de que ela simplesmente não conseguia pular.
E no fim de cada corredor, Ophelia.
Se virasse, Ophelia.
Mesmo que desse um soco, o vulto se desfazia tão rápido como surgia, e ela aparecia tantas e tantas vezes... Raveneh começava a se sentir louca. As lágrimas enchiam seus olhos, e por mais que Catherine tentasse ajudá-la, tentando orientá-la pelo imenso castelo, parecia impossível. Ela não sabia o quanto andava, só sabia que o tempo corria. Ophelia estaria ali, no fim de cada caminho, com toda sua crueldade. Parou, então, chorando e chorando.
O desespero dava lugar à loucura.
- Não adianta - a voz de Ophelia vinha de trás? Ou será que Ophelia estava ali, adiante? Não conseguia nem ao menos identificar a origem da voz, só a autoria - você nunca vai fugir. Simplesmente não vai conseguir...
Maldita.
Não se deixe enlouquecer.
- Não vou.
Tinha sido tão tola! É claro, era óbvio que a porta aberta tinha sido uma armadilha... mas cega pela esperança de escapar viva, cega pela euforia, não percebera. E agora percebia que era como se estivesse em uma teia, uma teia que enreda os tolos e desprotegidos.
- Droga - ela se virou, percebendo o corpo de Ophelia.
Parecia tão real.
Mas sabia que se corresse, se fosse adiante, iria se evaporar no ar.
Se ficasse, seria devorada.
Se fugisse, seria capturada.
Desabou, no fim, à procura de sua sanidade.

Ophelia se aproximou. Sua voz não ecoava mais, nem parecia mais uma ilusão. Mas Raveneh não conseguia mais identificar a verdade, nem separá-la da mentira, e seu pavor crescera a ponto de ofuscar sua razão.
- O que você fez?
A rainha abraçou a fada com carinho, acolhendo toda sua tristeza e seu medo. Era como um veneno que matava sem doer. A dor vinha depois, talvez.
- Eu não quero que você fuja - declarou Ophelia - mas não se preocupe. Umrae lhe resgatará, e seu tormento vai sumir...
- Não vai - Raveneh se desvencilhou do abraço da rainha, encarando-a nos olhos. A voz era muito mais Catherine do que Raveneh, mas ambas compartilhavam a consciência - não vai... porque você não vai me fazer enlouquecer para eu esquecer o que fez comigo... e meu tormento nunca vai sumir, nunca, nunca...
- Quem é você? - Ophelia sacudiu Raveneh pelos braços - por que tem algo em você que não entendo? Tem coisas que não entendo...
- Não consegue ler meus pensamentos? - Raveneh gritou, histérica, as lágrimas lhe molhando a face - não consegue me manipular? Você pode tentar me fazer ficar louca, insana, incoerente... mas não pode me dominar, Ophelia, isso é algo fora do seu alcance... - e ria, sua risada ecoando pelo corredor de cristal.
Demorou uns poucos minutos para Ophelia entender.

Raveneh não era uma, era duas em uma.
Se ela desconhecia a existência de Catherine, e ignorava sua personalidade, como poderia manipula-la? E assim como poderia ter o controle de Raveneh se ainda havia Catherine para quebrar seu encanto? Raveneh tentava se recompor do pequeno momento em que fora induzida à loucura, Catherine ficando quieta para não ser descoberta por Ophelia.
- Você é dividida? - Ophelia quase riu, e não obteve resposta.
Raveneh só fez encará-la, o cabelo desarrumado, as vestes amarrotadas. O sorriso artificial e insano.
- Vamos voltar - Ophelia se ergueu, deu a mão - você precisa de comida.
- Por que eu comeria algo de suas mãos? - Raveneh se levantou sem precisar de ajuda - eu não estou tão louca assim...
- Porque você precisa comer - a voz de Ophelia era realmente provocante - e quando voltar, vai ter um bebê à sua espera...
Isso alterou a postura de Raveneh de forma significativa, ou seja, ela seguiu com a rainha, sentindo repulsa de si mesma e ansiedade. Além da sensação de covardia que experimentava e tentava engolir.

O lugar estava mais escuro do que antes.
A comida veio na forma de sopa rala com pedaços de macarrão, carne e cenoura e acompanhada de um copo d'água ao lado. Raveneh teve que se dar por contente que não fosse pão ou qualquer coisa que dêem para prisioneiros. E ainda se sentiu incomodada porque Ophelia estava ali, a vigiando enquanto comia. Como se não tivesse aprendido a lição o suficiente, ainda vinha a bruxa ficar calada, com os dois olhos brilhando no escuro de tanta maldade.
- Não tem que fazer alguma coisa? - ousou perguntar Raveneh ao terminar de comer.
- Enquanto os meus amigos não chegarem, não - Ophelia sussurrou - já fiz a minha proteção, e você foi meu teste. Digamos que fez o Controle de Qualidade, e espero que dê certo quando vier seus amigos.
- Quem são seus amigos? - Raveneh quase riu, só de imaginar que alguém gostaria de ser amigo de Ophelia. Mas ao imaginar um ser descomunal, com pinças e uma crueldade sem limites, calou-se.
- Eles vão dar dor de cabeça aos seus amigos - Ophelia respondeu meigamente - muita dor de cabeça. Já terminou de comer?
- Sim - Raveneh entregou o prato, sua hesitação flagrante em cada gesto. Ophelia achou isso louvável, mas nada disse ou alfinetou. Pegou o prato e levou para fora, a postura ereta de uma rainha e fazendo os serviços de uma serva. Mas Ophelia era toda contraditória e, bem, sua atitude sempre tinha sido insana perante a vida, para quê mudar?
Raveneh ficou sozinha.

Bem, ninguém poderia salvá-la.
Não se ela quisesse que todos saíssem sãos no final da jornada. Aquilo realmente fazia mal, todos aqueles corredores, aquela sensação de angústia... com certeza foi um feitiço que Ophelia pôs no castelo para evitar fugas, para fazer com que inimigos se perdessem em seu labirinto. Quem viesse salvá-la... iria se perder. O que ela poderia fazer para quebrar aquilo? Quem poderia andar pelo castelo sem se perder? Ophelia... e com certeza aquela ruiva... Lala? As duas estariam imunes ao poder do feitiço.
Será que o feitiço atingiria Umrae? Ou será que seria uma mágica universal, que atinge todas as pessoas, independente da espécie?
Não. Quem tem que sair daqui é você. Nós.
De fato.
Não queria fazer com que mais alguém se perdesse naqueles malditos corredores, e bem, ela poderia descobrir um jeito de sair. A segurança provavelmente estaria fragilizada, já que Ophelia seria toda confiante a respeito do feitiço e não faria tanta questão de que ela não pudesse mais sair. Com certeza iria se divertir e zombar todas as vezes que ela tentasse fugir, mostrando todo seu desprezo.
Ok.
Iria dar um jeito. Aquela vaca da Ophelia que pensasse que ela não iria conseguir. Se aquele feitiço tornava as pessoas loucas e mais loucas a cada segundo perdida, não tinha problema. Ela já tinha problemas, não era? Ela era uma garota problemática que tinha dupla personalidade e, se fosse uma humana em algum lugar tipo Istypid, teria sido internada em um sanatório há tempos! Aquela loucura não podia afetá-la. Não quando ela tinha Raveneh e Catherine dentro de si, e ambas eram escudos. Catherine não aguentou toda a dor e todos os traumas para proteger Raveneh? Agora, estava decidida, Raveneh iria proteger Catherine de toda a insanidade. E a outra face permaneceria lúcida e seria seu guia.
Isso tinha que dar certo.

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Uma trajetória.
Venenos a postos.
Zidaly e Harumi já tinham dado conta das roupas.
Polly, Ratta, Ti-Yi e Pauline entregaram relatório, conferindo que os dragões estão prontos.
Crazy e Luka cuidaram dos feitiços que iriam dar conta do segredo, ao menos até por dois dias, junto com as Musas que realmente ajudaram quando trataram de ocultar Campinas. Umrae estava com medo de que algo acontecesse com a própria terra no instante da luta, pois tinha ouvido falar de que o efeito de uma luta provocava terremotos e furacões, o que as Musas confirmaram. Então ajeitou essa parte também, e as Musas concordaram em proteger.
Durante a luta, perguntaram-se, como seria?
- Tem que ser em algum lugar com água - pediu Catherine.
Embora depois que tenha pedido o poder das águas encarnado dentro dela e isso a fizesse mais poderosa, ainda assim tinha a fragilidade da água ao redor. Todos concordaram, mas onde? Crazy estava acompanhado por Ly que indicava os territórios.
- Há o mar, além da floresta - sugeriu Ly - é uma área praticamente intocada, poucas guerras aconteceram lá.
- O mar não é bom - Catherine sussurrou - é muita energia minha, mas pouca dos outros.
- Aquela região que a gente ficou ontem - Sunny sorriu - tinha um rio correndo... na mesma área que estava uma fábrica abandonada, lembra?
- Sim, ela é boa - concordou Miih - tem equilíbrio. Tem ruínas, tem água, tem paixão... sei que se alimenta mais de paixão do que de fogo, Louise - Louise deu a língua sarcasticamente - tem tudo.
- Mas teremos que atrair Ophelia para lá - Loveh lembrou - como faríamos isso? Ela nunca sai dos limites do castelo!
- Então tem que ser algo especial pra tirá-la de lá - Miih sorriu.
Todos ficaram calados por um segundo, pensando seriamente em como fazer isso.
- Enquanto Ophelia sai junto com vocês, a gente vai lá e pega Raveneh de volta - sugeriu - aposto que aquela ruiva faz isso. Tipo, fazer com que ela saia do castelo.
- Mas não podemos sequestrar a ruiva - Sunny discordou. Lembrava muito bem de como Ophelia tinha ficado ao ver sua mãe e irmã nas mãos do inimigo. Uma besta enfurecida, e não queria tornar a vê-la daquele jeito, de todo o coração. Morria tendo a pele arrancada, mas contanto que não tivesse mais uma Ophelia louca e furiosa daquele jeito, estava bom.
Lala com certeza seria um ótimo alvo.

Não precisavam realmente sequestrá-la. Só precisavam atrai-la.
E fazer com que levasse Ophelia junto.
Alguma coisa tinha que funcionar.

Podiam tirar a ruiva por algum encanto mágico, unindo forças. Talvez ela não fosse imune, talvez simplesmente poderiam provocar Ophelia para uma luta. Simplesmente um desafio. Um jogo.
Se soubessem jogar, Ophelia aceitaria. E aí, tinham quase certeza, ela seria enredada pela própria arrogância.




Ah-Ah! Outro capítulo curto, composto de três trechos. Quando minhas mãos começaram a doer muito mesmo, eu já estava no final. Mas por ordem da mamadi queridinha eu não poderia digitar nada longe, então eu reli todo o capítulo e decidi encurtá-lo para postá-lo mais rapidamente, afinal se eu digitar mais devagar e com mais cuidado e fizer textos menores, eu posso continuar usando o computador.

Eu fiz a fuga de Raveneh de uma forma estúpida para mostrar as barreiras novas que Ophelia impôs no castelo. No próximo capítulo, vão descobrir mais sobre como essa proteção funciona e com que ela funciona, mas vale lembrar que é uma proteção do tipo universal, então todas as espécies podem serem afetadas, o que é o intuito de Ophelia. Raveneh não vai ser a donzela desprotegida, não é essa a minha intenção. Ela vai dar um jeito e só ela conseguindo para que mais pessoas não sejam enredadas pelas barreiras mágicas...

Eu queria, hm, falar de uma coisa: há algum tempo atrás resolvi fazer um template para o Três Fadas. Eu não mostrei no outro blog porque eu queria mostrar quando tivesse o capítulo 100 pronto. Ele está aqui, em um blog que uso de cobaia para testes de HTML, CSS e afins. Usei o template de Pernície como modelo, e eu realmente não sei o que achar dele. Eu gostei muito do fundo de madeira e do fundo branco, como um papel. Mas não sou muito fã das imagens de banner - eu gostei do mapa e do papel onde está escrito Três Fadas, mas as imagens em "fotografias". Eu queria colocar um dos desenhos que Umrae fez, mas não consigo acessar mais o Gaia Online, diz que minha senha está incorreta e por mais que peça pra enviar e-mail e confirmar e tal, diz que estou tentando entrar numa conta que não é minha (????). O mapa já tinha no computador... e achei esse itálico rosinha muito, muito estranho. Tipo é bonitinho, mas é estranho. O que vocês acham?

Enfim, dêem sua opinião! *-*

sexta-feira, 5 de março de 2010

Parte 99 - Poucas horas, uma ou duas mudanças no cotidiano.

A madrugada transcorreu tranquilamente.
O amanhecer surgiu com as seis pisando na relva.
- Vamos acordá-los? - indagou Louise tendo o sarcasmo magoado em sua voz. Sunny soltou um suspiro, e respondeu com delicadeza:
- Não sejamos indelicadas. Esperemos um pouco.
E sentaram na grama, esperando.
Elas não tinham muito tempo. Mas naquele momento esperariam o ano inteiro, se fosse necessário.

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Lala abriu as cortinas, deixando a luz matutina invadir o quarto da rainha, acordando Ophelia. Esta, resmungando, se sentou na cama com os olhos entreabertos e perguntou sobre o café da manhã.
- Está na mesa - Lala arrumou as cortinas, seus olhos cor de mel admirando a paisagem pela janela - mandei servirem na mesa.
- Sua tola - Ophelia esfregou os olhos - eu não quero descer até àquela sala desse jeito.
Lala se virou, cruzou os braços, encarando a amiga.
- Tome banho, então.
A rainha balbuciou qualquer coisa, como se reclamasse muito, e se pôs de pé. Pediu licença, queria se arrumar sozinha. Não, não precisava mandar a algum Glomb preparar o banho, Ophelia já não confiava nessa raça. Lala saiu do quarto, deixando Ophelia sozinha.

Os cabelos ruivos não eram cortados fazia tempo, quase o comprimento de dois anos atrás. Lala estava ficando muito desleixada consigo mesma, e isso não a irritava como irritaria as outras mulheres. O que a irritava era sua íntima contradição, sua hipocrisia, sua traição a todos os juramentos feitos quando era criança e adolescente. Sempre fora treinada para a guerra sendo a única descendente de sua família. Estavam todos mortos, à espera do seu golpe final. Quando ela finalmente decidiria de que lado ficaria.

Ora, pensou sentindo aquele típico peso no peito quando ficava indecisa, é óbvio. Eu fico do meu lado... no lado que me pagar melhor.
Mas não era uma mercenária. Nunca foi.

- Ophelia, estou te esperando - gritou, antes de descer.
As roupas pretas, a espada nas costas, os cabelos soltos, tudo lhe conferia um ar de guerreira livre. Mas qualquer um que enxergasse bem seus olhos perceberia a tristeza em toda aquela cor de mel.

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Umrae admirava o trabalho de Thá em etiquetar e organizar todos os venenos, antídotos, soníferos e tipos de poções em seu armário. Notou que faltavam alguns soníferos mais suaves, mas decerto isso tinha a ver com o silêncio das pessoas no abrigo. Não iria brigar por aquilo, tinha desfrutado de toda aquela paz de Maytsuri, não é mesmo? E não faria mal à ela, contanto que não exagerassem na dose. Pousou entre os frascos mais perigosos, feitos há bastante tempo, cuja validade era eterna. Venenos que manchavam a alma, faziam explodir as veias por dentro, queimavam e ardiam, e simulavam mortes e gelavam pessoas tão vagarosamente. Em tempos de paz, Umrae gostava de fazer venenos mesmo que não tivesse intenção de usá-los. Sempre era bom contar com uma boa arma de vez em quando.

- Umrae? - Kibii pedia licença.
Estava quase boa. Mesmo que já fizesse um tempo, Nath fazia questão de mantê-la em observação. Temia que qualquer ponto ainda não absorvido se abrisse, temia que Kibii ainda sentisse dores, e sua pele marcada de cicatrizes se regenerava de forma vagarosa, como desejava Nath, pois esta achava que cicatrizações rápidas demais eram ruins. Não faziam a pessoa dar valor aos próprios machucados, dizia, e se não dá valor essas coisas, também não dá valor à própria vida.
- Olá, Kibii - Umrae cumprimentou, arrumando as tabelas onde ficavam anotadas as entradas e saídas de todo frasco.
- Você vai fazer o levante amanhã - Kibii começou, se sentando numa cadeira vaga, olhando para os frascos atrás de Umrae - como pretende, sabe, lutar?
Umrae sentou-se também, encarando Kibii com uma pergunta imediatamente respondida em décimos de segundos. É claro que Kibii queria saber. Ela queria lutar, participar, sentir em suas mãos o ardor e o sangue das batalhas.
- Sim, Kibii. E não, eu não vou permitir que você entre nisso. Está se recuperando.
- Eu já consigo lutar normalmente, Umrae - Kibii retrucou, parecendo magoada em ter sido dispensada - meu corpo não dói mais, e já cicatrizou, juro, e-
- Kibii, você ainda está fraca. Eu não quero pôr-la em risco - Umrae respirara fundo antes de negar novamente, e se preparava para juntar bons argumentos que venceriam Kibii. Não queria realmente colocar a amiga na linha de batalha. Com certeza teria valor inestimável, mas as cicatrizes... e o medo de que aqueles pontos ainda existentes se rompessem. Porém seu medo maior não era a dor, ou as cicatrizes, ou a fraqueza... era simplesmente pensar que Kibii poderia desejar sua vingança, e ir atrás de Lala. Por mais que Kibii fosse boa, como sabia que era, não via como superaria Lala e sua capacidade incrível de regeneração.

- Ora, vamos lá - Kibii se levantou, agindo de forma muito elegante e imponente - Umrae, eu não posso viver sem guerra. Quer dizer, o que mais tem nessa vida para mim?
- Talvez tentar resgatar sua história - sugeriu Umrae.
Silêncio.
- O meu passado não me interessa mais - Kibii rosnou muito suavemente - sabe disso, Umrae. Tenho as heranças, tenho minha vida, porque terei que saber sobre meu passado? O que eu era quando criança?
- Por que você sabe e não quer admitir - Umrae falava de forma muito delicada. Se a sua voz fosse matéria, seria uma pluma - e vive querendo se atirar em missões de guerra para dar algum sentido. Kibii, você não está bem o suficiente. É uma excelente guerreira, e tenho certeza que agiria bem em combate. Mas seus pontos ainda não foram totalmente absorvidos, e a cicatrização não é total. Tenho medo que aconteça alguma coisa com você, Kibii.
- Não vai acontecer - Kibii deu de ombros - eu sei me cuidar. E, de qualquer forma, mesmo que eu morra, eu vou morrer com honra. Não é um conceito louvável?
- Conceito louvável, Kibii, é você dar valor à sua própria vida - Umrae também se levantou. Embora Kibii tivesse a compleição de rainha, Umrae tinha ar de líder e intimidava fácil qualquer pessoa sensata - esqueça. Não vou pôr você para lutar contra Ophelia, porque eu não quero que você dê uma de louca e arrisque sua vida. Se quer tanto ajudar, coopere com os serviços de casa no momento. Sinto muito, mas é isso que pode fazer.
- Maldita! - Kibii resmungou, se sentindo indignada, magoada e insultada - e eu vou ficar aqui, mofando, enquanto todos arriscam suas vidas! Insulto! Blasfêmia!
- Kibii - Umrae quase sentiu pena, mas aquilo a estava cansando. Tinha que organizar absolutamente tudo em menos de um dia, descansar fisicamente e psicologicamente e ainda tinha essa! Gostava muito de Kibii, mas ela não entendia que era justamente por esse querer bem que preferia que Kibii ficasse no abrigo?

A elfa ajeitou os cabelos negros em um coque, tentando se conformar. Realmente não queria se confrontar com Umrae, mas saber que iria ficar no abrigo, feito covarde, enquanto todos davam suas vidas... ok, ok, ficar enfiada no abrigo não era covardia. Rafitcha ficaria, Thá, Tatiih, Kitsune, Amai. Ok, mas elas não eram guerreiras! Eram mulheres cujo trabalho se voltava para garantir a ordem, a paz e a sanidade. Faziam milagre toda manhã para dar sopa, pão e café e, portanto, era crueldade chamá-las de covardes, além de ser uma baita mentira. Mas ela mesma, Kibii, era guerreira! Mestre das flechas, praticamente uma artista com sua katana! Como poderia ficar no abrigo? Ainda mais quando o maior inimigo, a Heil Ophelia, estaria lá, a rir sadicamente de sua ausência, relembrando aquelas torturas, aquelas dores...

Iria. Nem que fosse escondida.
Mas Umrae teria que engoli-la, e dane-se a preservação da própria espécie. Ela nunca foi exatamente o ideal dos elfos, não é mesmo?

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- Umrae - Amai bateu na porta do escritório, onde Umrae ajeitava um pergaminho. Ao escutar o bater na porta, ela começou a desenhar um mapa - visitas.
- Visita? - Umrae ergueu os olhos ficando muito intrigada. Quem visitaria Campinas naquele momento? Pedindo por Umrae? - quem é?
Amai mordeu o lábio inferior, seus olhos se estreitando curiosamente:
- Eu não sei bem - ela sussurrou - mas são seis. Seis moças. E elas querem falar com a líder. Estão lá em cima, não as deixamos entrar. Não parecem demônios ou aliados de Ophelia... respeitaram a gente. Johnny está dizendo que são as Musas.
- As Musas? - Umrae quase riu.
Sem pensar um segundo, ela seguiu com Amai, tomando o cuidado de trancar as portas. Com pessoas que não conhecia bem, todo cuidado é pouco

Subiu a escada, encontrando as seis moças, em pé, olhando para ela com ar de superioridade.
Dava até para adivinhar o "poder" de cada uma só pelas roupas, pelo ar, pelos traços. Decerto a negra era do fogo... não usava roupas laranja ou imitando o próprio elemento, mas seu ar de gente ferina, com língua ácida, e de espírito tempestuoso a denunciava. Porém teve uma que não conseguiu adivinhar... muito branca, cabelos muito loiros, e ar puro. Como uma donzela ou mesmo uma ninfa das trágicas comédias que lera um dia. Parecia a encarnação da própria luz.
- Vocês são?
- Miih - a de cabelos pretos se apresentou - Loveh, Louise, Sunny, Alice. Catherine.
As seis.
Evidentemente Miih era a líder natural. Detentora dos poderes das trevas, seus olhos eram a própria expressão do submundo onde tudo é seco, noturno e melancólico. Mas Miih não parecia ser uma pessoa melancólica. Parecia ser alguém muito austero, porém de índole justa. E a última a ser apresentada... a que continha mais poder, podia perceber. Catherine? Que estranha coincidência, ter o mesmo nome que a maldita irmã e a outra face da Raveneh...
- O que querem?
- Oferecer nossa ajuda - Alice era diplomática - sabemos que estão resistindo. E deve saber, senhorita, que Ophelia assassinou duas de nós.
Umrae tinha escutado algo a respeito disso.
- Qual é a intenção de vocês? - perguntou a meio-drow, sentindo-se levemente irritada com aquela postura tão superior das Musas.
- Vingança - Catherine sussurrou - ela nos tirou Olga, e depois Elyon. E queremos matá-la o quanto antes.
- Ophelia não sentiu toda essa energia que vem de vocês?
- Deve ter sentido - Loveh respondeu brandamente - e não nos atacou. Ela quer uma ofensiva, antes de qualquer coisa. Daremos-lhe isso, mas pensamos em unir nossas estratégias. O que vocês querem?
- Mas é tão óbvio - Umrae deu um suspiro - paz. É tudo o que queremos.
A paz.
As Musas queriam vingança.
Campinas queria paz.

- O que vocês tem? - perguntou Alice.
- Depende. O que vocês tem? - Umrae indagou. Podia estar sendo grosseira com pessoas que vieram ajudá-la, mas a tática de sua vida sempre foi desconfiar das pessoas. Porque elas tinham vindo ajudar agora? O que as motivaram? Era só vingança? Ou simplesmente... porque sozinhas não tinham poder contra Ophelia? Escutou um barulho, era Crazy. Sabia que não estava sozinha. Vigiavam-na com cuidado e discrição, sempre a postos para qualquer movimento suspeito.
- Nós temos poder. Não o suficiente para derrotarmos Ophelia - Alice sorriu - mas somos boas aliadas. Excelentes aliadas. Numa luta conosco, Ophelia mal tem chance de olhar para o lado.
Talvez estivesse blefando. Mas Umrae sabia que se Ophelia lutasse com as seis mais ela e Bia, talvez, Ophelia realmente não poderia olhar para o lado, tendo que se preocupar com as sete oponentes. Não era realmente covardia, já que Ophelia valia por dez. E nem a rainha podia contar com dez pares de olhos!
- Eu gostaria de debater com os outros - Umrae disse - e decidirmos em conjunto, já que somos um grupo. Dariam a nós... uma hora?
- Claro - Sunny se ajoelhou no chão meigamente - esperaremos!
E Umrae desceu.

As seis ficaram sentadinhas, esperando. Elas mal conversaram, porque todas já sabiam que iriam aceitar sua ajuda e entrariam na guerra juntas.


Estava todo mundo na sala do abrigo, a maior.
Entre os ausentes estava Zidaly que vigiava os dragões negros, Keishara vigiava os azuis, Toronto e Giovanna que estavam na ala hospitalar, Raven que precisava colher mais um pouco de batata para os próximos jantares junto com Vinicius e Thá replantava uma pequena horta que fora destruída pelo último ataque dos demônios.
- Elas são realmente Musas? - indagou Rafitcha - como você sabe?
- É como se elas colocassem uma placa na testa anunciando que são Musas - Umrae respondeu - dá para sentir isso.
Rafitcha mostrou descrença, mas não discordou. Soltou um gemido de dor, ficou junto ao Erevan.
- Bem, elas são poderosas - Bel comentou - um poder desses ao nosso lado é um ótimo aliado.
- Mas devemos confiar? - Ratta lembrou - elas apareceram de repente. E se confiarmos e elas ferrarem com a nossa cara?
- É! - Pauline concordou - se elas traírem a gente? E se for uma armadilha?
- Elas nunca foram aliadas de Ophelia! - protestou Johnny - elas perderam Olga por causa daquela bruxa!
A balbúrdia continuava, todo mundo discutindo. Seriam confiáveis? Seria seguro? Era melhor? E...
- Elas vão nos ajudar - Polly disse - elas não são inimigas. E querem a cabeça de Ophelia.
- E não importa o motivo, se elas nos ajudarem, é meio caminho andado - Umrae concordou - então...


Dez minutos faltando,
- E aí?
Umrae, acompanhada de Bel, Maria, Crazy e Nath, anunciou:
- Ok. Vamos lutar juntos.
Sunny foi a primeira a festejar com um sorriso:
- Juramos não trai-los, e - hesitou antes de continuar - teremos a cabeça de Ophelia em uma bandeja.
Catherine ergueu o canto da boca, em um sorriso misterioso e contido.




E, rapaz, esse foi um capítulo curto. É porque quando eu cheguei exatamente na frase "teremos a cabeça de Ophelia em uma..." eu senti que era o fim do capítulo. E finalizei, ora. Bem, pelo menos alguma mudança, não é mesmo? Sem todo aquele marasmo, ohohoh. Agora Campinas estão juntos com as Musas, e isso significa uma mudança absoluta de balanço de poder, porque podem se especializar mais em ramos e Campinas sairá menos prejudicada porque pode escolher um lado: ou demônios ou Ophelia, embora queira ficar com os dois, rs.

Zidaly é uma estúpida pessoa egoísta. Mas apesar de toda sua corrupção e egoísmo, ela é uma boa pessoa. Mas precisamos despertar essa boa pessoa antes que eu fique com asco dela e me descarte (o que já considerei muitas vezes). E, tipo, eu gosto muito, muito da relação entre Ophelia e Lala. Eu gosto de trabalhar essa amizade totalmente contraditória, e de perceber que agora não posso mais voltar atrás, porque Lala e Ophelia ditam o próprio comportamento. É como se elas virassem pessoas de verdade, e não marionetes nas minhas mãos. Adoro quando isso acontece.

Kibii é uma pessoa legal, mas sim, foi proposital ela se tornar infantil. Mas achei natural da parte dela, afinal guerra é guerra e não é tão estranho guerreiros darem chilique porque não foram recrutados, rs. E quanto a atitude de Umrae, achei ela, como posso dizer? Eu gostei. Umrae preza pelos seus guerreiros e Kibii é boa demais para simplesmente ser jogada no campo de batalha e, possivelmente, morrer porque algum ponto abriu! É burrice, contra a lei da sobrevivência.

E quanto a minha vida vai rolando. Revendo as matérias aqui e acolá, tendo as mesmas aulas que tive ano passado, apreciando estar numa turma com 42 alunos e escutar a voz do professor *-*
E, bem, tenho duas amigas legais na sala. É bem legal ter a experiência de ter uma colega de sala que adora o mesmo tipo de fanfic que você (yaoi). Você se sente menos estranha (:

;*